FRENTE BRASIL POPULAR > Imprensa > Artigos > Mulheres em luta contra a Reforma da Previdência

Nunca se esqueça que basta uma crise política, econômica ou religiosa para que os direitos das mulheres sejam questionados. Esses direitos não são permanentes. Você terá que manter-se vigilante durante toda a sua vida” (Simone de Beauvoir)

 

O Brasil é um país capitalista que como todos os demais se utiliza do patriarcado, e portanto, da opressão e dominação das mulheres para manter a taxa de exploração sobre o trabalho e a reprodução dele. Assim, nós mulheres, somos maioria na população em situação de pobreza; temos os mais baixos rendimentos na classe trabalhadora;  estamos nos trabalhos mais precários: informais, terceirizados, sem carteira assinada; somos a maioria da população desempregada e da população que busca emprego; temos as maiores e mais exaustivas jornadas de trabalho; sofremos violência, assédio moral, abuso sexual, maus tratos físicos, exploração e até situações de escravização. 

A tão mencionada Divisão Sexual do Trabalho tem se complexificado nos últimos anos, ainda que as mulheres tem alcançado mais postos de trabalho, tenho melhorado suas condições de trabalho PEC nº 287/2016, é mais uma das falácias reproduzidas pelo executivo federal e pela agenda neoliberal, que considera os indivíduos, e os próprios trabalhadores, como livres e iguais formalmente, sem encarar as diferenças políticas, econômicas, sociais e jurídicas, diluindo a substancialidade da desigualdade, de forma a absorver as opressões de gênero e classe, diferença salarial, para segregação ocupacional, pela divisão sexual do trabalho, pela dupla jornada de trabalho feminina, pela feminização da pobreza e pela crescente precarização das condições e dos postos de trabalho com predomínio da alocação das mulheres em subempregos e, ainda, pelo aumento do adoecimento laboral entre as mulheres. Isto é, a PEC nº 286/2016 atende ao interesse exclusivamente do mercado, ao passo que ignora os próprios alicerces da seguridade social, da qual a previdência social é parte, desconsiderando o seu caráter universal, solidário e de distributividade. 

Diante disso, necessitamos que as políticas de seguridade social reconheçam as desigualdades de gênero em que se estrutura a sociedade brasileira e sejam universalizadas afim de garantir a distribuição da riqueza e a busca da promoção da equidade de gênero. Por isso, é uma afronta a todo esse reconhecimento histórico as reformas da previdência que vem sendo propostas pelo governo em exercício, que não são uma novidade na governança neoliberal. Lutamos por Seguridade Social Universal, Pública e Solidária!

 

A previdência social é um direito associado a seguridade social assim como a saúde e a assistência social, conquistado pela luta dos movimentos nos anos 80 e consolidado na constituição federal. Logo, sendo um direito social é DEVER do estado promover e não deve ser encarado como uma política assistencialista, com isso queremos dizer que os brasileiros e brasileiras devem ter o direito, universal, de se aposentar, e não assumir a qualidade de segurados por determinado tempo de contribuição. É preciso entender que a seguridade social se trata do cumprimento do papel do Estado como garantidor de direitos sociais. 

Todavia, o que observamos em governos neoliberais como Fernando Henrique Cardoso, que propôs a reforma da previdência de 1998, e o governo golpista de Temer, é a inversão do papel do Estado, que passa a entender a previdência social como um benefício de segurado, e que portanto, deve ser garantido aqueles que contribuíram, ou mesmo aqueles que podem pagar previdência privada ou planos de saúde.

 Nesta lógica, ficam de fora uma gama imensa de mulheres que se encontram em empregos informais, ou mesmo uma imensa maioria, que devido a construção de papeis sociais, realiza trabalho doméstico, ou como cuidadora em casa, em trabalhos invizibilizados sem seus direitos assegurados por não se constituir como contribuinte. Estamos falando de mais de 7 milhões de mulheres trabalhadoras domésticas, das quais menos de 26,2% tem carteira assinada ( IBGE,2007). Estamos falando de muitas mulheres que realizam serviços domésticos, que não são considerados trabalhos por não gerarem riqueza.

 

Não há equiparação da contribuição

 

Segundo dados (PNAD, 2006) 92% das mulheres trabalham em média 25h semanais em atividades domésticas, é o que chamamos de dupla jornada de trabalho, o que comprova como o trabalho em casa é estruturante da rotina de vida das mulheres, e não conta como tempo de serviço. É sobre o nosso suor que recai a divisão sexual do trabalho, assim manter uma diferença de idade de aposentadoria, atualmente 5 anos, é fundamental para a promoção de uma equidade de gênero, à luz das desigualdade concretas. Por isso a proposta de Temer de acabar com a diferença de idade ou tempo de contribuição é completamente um retrocesso na luta das mulheres.

  E ainda, as reformas que propõe mudanças nas regras de acesso a pensão por morte e benefícios assistenciais da Lei Orgânica de Seguridade Social, até o absurdo da  PEC 287/2016 que propõe as contribuições individualizadas para os trabalhadores  e trabalhadoras rurais, ignorando os avanços do FUNRURAL que concedia o benefício de acordo com a comprovação de produção, todas elas negam o direito de aposentadoria a muitas mulheres brasileiras. 

Estas reformas, refletem a perspectiva que o governo tem da Seguridade Social como um assistencialismo, que entende a mulher não como uma cidadã possuidora de direitos aos benefícios, mas como uma gerenciadora dos benefícios em nome de famílias e filhos, a tal ponto que prejudica o seu direito de acesso em nome de um beneficiário masculino, como a proposta de contribuição individual para trabalhadores rurais. A máxima está representada na figura da primeira dama e seus programas para a seguridade social, como um tema de concessão as camadas mais pobres e não um direito.

 

Não há rombo na previdência, há má administração

 

Ademais, a retórica do governo de acusar como rombo na previdência não se justifica para a realização de reformas. Primeiro porque o orçamento da seguridade social, não é composto apenas pela contribuição dos trabalhadores e das empresas, ou ao menos não deveria ser, conforme o art.195 da Constituição, além dele estaria uma carga tributária como Confins, PIS/PASEP, CSLL, e etc. Se esses tributos fossem revertidos para a seguridade social ela apresentaria superávit.

Todavia, o que se observa é a transferência de recursos do orçamento da união para pagamento de dívida pública, por volta de 20%, previsto pela possibilidade de desvinculação orçamentária nas reformas da previdência neoliberais de FHC. E outro fator é as bonificações fiscais as empresas através da renúncia. Assim desvendamos o primeiro mito: não existe rombo na previdência, existe um problema de direcionamento de recursos.

  Como mulheres atingidas organizadas vamos marchar nesse 8 de março contra as reformas neoliberais da previdência e contra os retrocessos da classe trabalhadora. 

 

O que muda?

 

De acordo com o artigo 48 da Lei 8.213/ 1991, que trata da previdência social, as trabalhadoras urbanas podem se aposentar por idade com 60 anos e os trabalhadores urbanos com 65 anos, se já houver contribuição de, ao menos, 15 anos. Já as trabalhadoras rurais podem se aposentar aos 55 anos e os trabalhadores rurais aos 60 anos. Em relação ao tempo de contribuição, os homens necessitam ter contribuído por 35 anos e as mulheres por 30 anos

Tais diferenças, dispostas na Constituição de 1988, foram frutos de lutas travadas por trabalhadoras e movimentos feministas e de mulheres, movimentos campesinos e de trabalhadoras(es) rurais no período da Constituinte e objetivavam, minimamente, compensar as diferenças impostas pela estrutura patriarcal e, ainda, pelo modelo fundiário concentrador e desigual no país.

A PEC nº 286/2016 estabelece como idade mínima de aposentadoria os 65 anos, com obrigatoriedade de, pelo menos, 25 anos de contribuição, além disso, a proposta visa eliminar a aposentadoria por tempo de contribuição. Ao aposentar-se com 65 anos de idade e 25 anos de contribuição, a média do benefício seria de 76% da arrecadação individual, com aumento de 1% por ano de contribuição a mais dos 25 anos mínimos. Para chegar-se ao valor de 100%, as trabalhadoras deverão contribuir por 49 anos.

Assim, a proposta de reforma eleva a idade mínima de aposentadoria das mulheres em 05 anos, com a justificativa desarrazoada de que o fato de se aposentarem antes estava criando um entrave para a sustentabilidade da previdência social brasileira. Mascara-se a desigualdade presente no mercado de trabalho e na divisão dos trabalhos domésticos, penalizando e obrigando as mulheres a trabalharem ainda mais. Invisibiliza-se a prestação de serviços e trabalhos relacionados à saúde, educação e trabalho doméstico, que garantem a reprodução da vida e da sociedade, vez que não fornecidos adequadamente pelo Estado.

Omite-se, também, a informação de que as mulheres realmente laboram mais tempo que os homens: considerando-se que as mulheres trabalham em casa aproximadamente 14 horas a mais que os homens por semana, levando em consideração o início da contribuição aos 20 anos e aposentadoria aos 65 anos, as mulheres terão laborado cerca de 4 anos a mais do que os homens durante a vida.